«Eres chilota?». Sentada no lobby de um hotel de Lisboa, uma versão de mim própria aos 20 e poucos anos esperava nervosamente pelo escritor chileno Francisco Coloane, a quem este mesmo jornal mandara entrevistar quando, a convite da Teorema, sua editora portuguesa, veio ao nosso país. Pressentindo talvez essa ansiedade, essa minha certeza de me ficarem curtas as leituras e os anos para entrevistado de tal calibre, quis saber de mim, para quem trabalhava, de que histórias gostava e se o tom moreno da minha pele não viria, afinal, das mesmas latitudes austrais de onde ele vinha: «Seria chilena? Não teria um avô oriundo de tão longínquas terras que justificasse a parecença?» No seu olhar, havia a gentileza e aquela forma particular de curiosidade pelo outro que são o resultado de uma vida longa e intensamente vivida, no caso dele entre a Terra do Fogo e o Estreito de Magalhães, onde foi marinheiro, domador de potros, pesquisador de petróleo e o narrador de excepção que Luís Sepúlveda não hesitou em considerar seu mestre dilecto.
Francisco Coloane morreu em Santiago do Chile, em 2002, aos 83 anos, sem voltar a Portugal e, como tal, sem me dar a oportunidade de lhe fazer entrevista mais fundamentada, mas deu-me a perceber que este meu ofício de entrevistar pessoas tão diferentes entre si não é ofício vulgar, mas sim proporcionador de encontros fugazes, em alguns casos, determinantes para o meu crescimento pessoal. Reencontrei a lição do Coloane quando, acompanhada por Ricardo Araújo Pereira, então estagiário do JL, ouvi Chico Buarque falar sobre as suas paixões futebolísticas; quando, três meses antes de morrer, Al Berto, na esplanada do Príncipe Real, me falava dos muitos projectos que ainda tinha por realizar; quando Fanny Ardant, deslumbrante de elegância, me pedia desculpa por ter de jantar enquanto falava comigo sobre a sua participação no filme Amok, que viera rodar a Portugal. Acrescentarei, para benefício dos jovens jornalistas, que, em quase 20 anos de profissão, os encontros de excepção se contam pelos dedos de uma só mão, mas, como escrevia Keats, «uma coisa bela é uma alegria para sempre». No sábado passado, ao comprar Naufrágios, o livro de Coloane sobre a História Trágico-Marítima dos mares do Sul, não pude deixar de evocar esse momento único que, até agora, guardara só para mim. O ritmo, às vezes desenfreado da agenda, não voltou a fechar-me à possibilidade de uma surpresa. Tornei-me, desde então, uma humilde aprendiz da arte do encontro.
Francisco Coloane morreu em Santiago do Chile, em 2002, aos 83 anos, sem voltar a Portugal e, como tal, sem me dar a oportunidade de lhe fazer entrevista mais fundamentada, mas deu-me a perceber que este meu ofício de entrevistar pessoas tão diferentes entre si não é ofício vulgar, mas sim proporcionador de encontros fugazes, em alguns casos, determinantes para o meu crescimento pessoal. Reencontrei a lição do Coloane quando, acompanhada por Ricardo Araújo Pereira, então estagiário do JL, ouvi Chico Buarque falar sobre as suas paixões futebolísticas; quando, três meses antes de morrer, Al Berto, na esplanada do Príncipe Real, me falava dos muitos projectos que ainda tinha por realizar; quando Fanny Ardant, deslumbrante de elegância, me pedia desculpa por ter de jantar enquanto falava comigo sobre a sua participação no filme Amok, que viera rodar a Portugal. Acrescentarei, para benefício dos jovens jornalistas, que, em quase 20 anos de profissão, os encontros de excepção se contam pelos dedos de uma só mão, mas, como escrevia Keats, «uma coisa bela é uma alegria para sempre». No sábado passado, ao comprar Naufrágios, o livro de Coloane sobre a História Trágico-Marítima dos mares do Sul, não pude deixar de evocar esse momento único que, até agora, guardara só para mim. O ritmo, às vezes desenfreado da agenda, não voltou a fechar-me à possibilidade de uma surpresa. Tornei-me, desde então, uma humilde aprendiz da arte do encontro.
2 comments:
Texto lindo!
Obrigada. Sabe bem ouvi-lo, ou melhor, lê-lo.
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