Saturday, April 30, 2011

O estilo a quem o trabalha



   Como Coco Chanel bem sabia, a moda que vem da rua tem um impacto social muito diferente da que é imposta a partir dos ateliers. Nos tempos que correm, já nenhum criador ignora o poder da cultura urbana sobre a indústria da moda. Que o digam os autores de blogues, como the cool hunter ou the sartorialist, de influência só comparável ao gozado pela Vogue ou pela Harper's Bazaar. Mas Portugal já tem o seu style hunter, como se pode ver em http://oalfaiatelisboeta.blogspot.com. Falámos com José Cabral, um homem com olhar de lince para quem passa.

O que o levou a meter-se nesta aventura de fazer um blogue regularmente atualizado sobre moda urbana?
O Alfaiate Lisboeta apareceu simplesmente porque sentia falta de ter um projecto pessoal. Algo que representasse um contraste com o meu dia-a-dia laboral. Algo que me fizesse sentir que era capaz de gerar qualquer tipo de processo criativo. O facto de esse projecto se dedicar de alguma forma à moda urbana decorre essencialmente de duas coisas: eu ter tido sempre tendência a reparar nas pessoas e naquilo que elas traziam vestido e de me ter deparado com publicações estrangeiras do género que me serviram de inspiração.

O que lhe desperta o clique? O que o faz escolher alguém (ou algo) em detrimento de outros?
Eu não escolho pessoas. Simplesmente há algumas que me despertam a atenção. Obviamente que, quanto não existe outro registo vivido que não o visual, é de esperar que o que as pessoas vestem seja aquilo que mais nos chama a atenção.

A "rua" já dita regras na moda?
Dizem que sim. Muito honestamente não acho que seja a pessoas mais indicada para lhe dar essa resposta. Teria que me pôr num lugar que ocupei durante um curtíssimo período de tempo – no lugar de alguém que visita blogues de moda de rua mas não tem um. Se fizer esse esforço de deslocalização temporal posso-lhe dizer que me senti inspirado por imagens que encontrei em alguns desses blogues. Mas muito sinceramente ainda me custa muito a acreditar que alguém vá ao Alfaiate Lisboeta retirar ideias para a sua indumentária. Ao meu blogue pessoal? Juro-lhe...custa-me a crer.
        
Para si, o que é a moda? E o que pode representar num mundo em crise?
A moda para mim é um conceito muito genérico que joga, essencialmente, com aquilo que temos por belo e com aquilo que julgamos valorizado pelos padrões sociais vigentes. Não me parece que a crise prejudique a moda de forma muito diferente daquela que condiciona tantas outras indústrias. A noção de que em tempos de crise a fronteira entre o essencial e o supérfluo se torna óbvia aos olhos de todos faz sentido no plano teórico mas a moda e tudo o que a ela está ligado tem hoje uma importância muito mais marcada do que a maioria de nós se dá conta ou se permite admitir.

Que tipo de roupa e acessórios o fazem vibrar?
Gosto de tudo o que é de inspiração sartorial (relativo a alfaiataria). Mas também, pelo preciso contraste, sou apreciador dos mais puros estilo desportivo e streetwear.

Revista de imprensa - em leitura

www.lire.fr   www.vogue.fr 
          www.thegentlewoman.com

Monday, April 25, 2011

Lembram-se de A Caixa?


A recordação tem o carácter dfuso de um sonho: uma versão de mim com tranças,levada pela mão muito carinhosa de alguém muito mais alto. Vou com o meu avô materno, tenho uma mala de escola amarela com fechos reflectores e ele uma garrafa de vinho para o almoço de um dia com muito sol. Subimos as escadinhas de São Cristóvão, que ligam a Baixa à Mouraria. Lá em cima, o largo, a Igreja, a drogaria do sr. José, cheia das pequenas tentações que apeteciam a uma menina de tranças.

Quase 25 anos depois (em 1994), Manoel de Oliveira pegou no cenário destas memórias e filmou A Caixa. Com Luís Miguel Cintra, Ruy de Carvalho, Glícinia Quartin, Beatriz Batarda, Rogério Samora, Diogo Dória, Miguel Guilherme, Sofia Alves, entre outros. Hoje voltei às Escadinhas. Estão exactamente como as deixei.i

Thursday, April 21, 2011

O jornalismo como posto de escuta


«Eres chilota?». Sentada no lobby de um hotel de Lisboa, uma versão de mim própria aos 20 e poucos anos esperava nervosamente pelo escritor chileno Francisco Coloane, a quem este mesmo jornal mandara entrevistar quando, a convite da Teorema, sua editora portuguesa, veio ao nosso país. Pressentindo talvez essa ansiedade, essa minha certeza de me ficarem curtas as leituras e os anos para entrevistado de tal calibre, quis saber de mim, para quem trabalhava, de que histórias gostava e se o tom moreno da minha pele não viria, afinal, das mesmas latitudes austrais de onde ele vinha: «Seria chilena? Não teria um avô oriundo de tão longínquas terras que justificasse a parecença?» No seu olhar, havia a gentileza e aquela forma particular de curiosidade pelo outro que são o resultado de uma vida longa e intensamente vivida, no caso dele entre a Terra do Fogo e o Estreito de Magalhães, onde foi marinheiro, domador de potros, pesquisador de petróleo e o narrador de excepção que Luís Sepúlveda não hesitou em considerar seu mestre dilecto.
Francisco Coloane morreu em Santiago do Chile, em 2002, aos 83 anos, sem voltar a Portugal e, como tal, sem me dar a oportunidade de lhe fazer entrevista mais fundamentada, mas deu-me a perceber que este meu ofício de entrevistar pessoas tão diferentes entre si não é ofício vulgar, mas sim proporcionador de encontros fugazes, em alguns casos, determinantes para o meu crescimento pessoal. Reencontrei a lição do Coloane quando, acompanhada por Ricardo Araújo Pereira, então estagiário do JL, ouvi Chico Buarque falar sobre as suas paixões futebolísticas; quando, três meses antes de morrer, Al Berto, na esplanada do Príncipe Real, me falava dos muitos projectos que ainda tinha por realizar; quando Fanny Ardant, deslumbrante de elegância, me pedia desculpa por ter de jantar enquanto falava comigo sobre a sua participação no filme Amok, que viera rodar a Portugal. Acrescentarei, para benefício dos jovens jornalistas, que, em quase 20 anos de profissão, os encontros de excepção se contam pelos dedos de uma só mão, mas, como escrevia Keats, «uma coisa bela é uma alegria para sempre». No sábado passado, ao comprar Naufrágios, o livro de Coloane sobre a História Trágico-Marítima dos mares do Sul, não pude deixar de evocar esse momento único que, até agora, guardara só para mim. O ritmo, às vezes desenfreado da agenda, não voltou a fechar-me à possibilidade de uma surpresa. Tornei-me, desde então, uma humilde aprendiz da arte do encontro.